Crédito: Rovena Rosa / Agência Brasil

Por Paula Barcellos/Jornalista e Editora da Revista Proteção

Prejuízos sociais, econômicos e culturais. O incêndio ocorrido este mês na região da 25 de março, em São Paulo, mostrou mais uma vez as sequelas terríveis que este sinistro pode deixar. As chamas começaram na noite de domingo (10/07) em um prédio comercial de 10 andares que abrigava pequenas lojas e armazenava produtos dos comerciantes da região. Além dele, outros imóveis próximos também foram incendiados: um prédio residencial de seis andares, uma loja e uma igreja ortodoxa (a primeira do Brasil). O tamanho e a intensidade do fogo condenou prédios, interditou ruas e fechou o comércio local. Todos os imóveis atingidos pelo fogo estavam vazios, incluindo a igreja, no entanto, dois bombeiros chegaram a sofrer queimaduras durante o trabalho intenso da corporação que durou mais de 73 horas. Nenhum dos edifícios tinha AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros).

Para o superintendente do CB 24 da ABNT (Comitê Brasileiro de Segurança Contra Incêndio da Associação Brasileira de Normas Técnicas), Rogério Lin, este incêndio contou com diversos agravantes como o local em que ocorreu e o uso do prédio. “O principal agravante que eu vejo neste incêndio é justamente o risco que ele traz para uma região de muito comércio, de edificações muito próximas, onde o incêndio se espalha com muita facilidade para outras edificações. E também a carga de incêndio muito elevada por este tipo de edifício ter sido convertido de comercial para depósito. Então estas edificações não estão preparadas para este tipo de situação. Se quiser virar um depósito tem que se adequar a um depósito, que tem uma série de exigências desde a questão de compartimentação de ambientes, de ter sprinklers. Então eles têm que se adequar minimamente a isto e têm que prever também outros riscos para que o incêndio não avance para edificações vizinhas e estas, por sua vez, têm que estar muito atentas também porque se não elas também acabam tomando este prejuízo” diz.

LIVE

O incêndio tomou conta dos debates entre os especialistas do setor. Na live “Incêndio da 25 de março” realizada pela ABNT e CB 24, no dia 15 de julho, os especialistas Cassio Armani, consultor de Engenharia de Segurança contra Incêndio e Análise de Risco, e Antônio Berto, pesquisador chefe do Laboratório de Segurança ao Fogo e a Explosões na IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), fizeram uma análise das estruturas em situação de incêndio, compartimentação vertical e reação ao fogo dos materiais envolvendo o caso. Na oportunidade, Berto também ressaltou os problemas quanto o uso da edificação e os efeitos que o acidente traz de forma mais ampla. “São ocupações irregulares porque além de não terem AVCB se tratavam originalmente de edifícios de escritórios, cujo uso foi alterado para uma situação de grave risco de incêndio. Para estes edifícios, sprinklers são obrigatórios e outras tantas medidas. Outra questão é que o impacto deste incêndio vai se prorrogar por um bom período e vai causar prejuízos ao comércio na região, além de prejuízo social com desemprego. A própria igreja que era tombada e que foi destruída era um patrimônio importante que dificilmente vai ser recuperado. Os incêndios sempre trazem consequências desta ordem e este foi tenebroso”, reflete.

O consultor Cassio Armani também destacou na live alguns problemas que este incêndio traz como o aspecto urbanístico e o nível de exigência em SCI para as edificações existentes. Segundo ele, pelas imagens transmitidas, o Corpo de Bombeiros teve uma dificuldade muito incomum porque a fachada do edifício era afastada em relação à via pública. “Então embora seja um incêndio na maior cidade do nosso país e que o Corpo de Bombeiros possua veículos do tipo autoescada ou plataforma elevada, eles acabaram quase não sendo utilizados como seria o desejável para se fosse efetuado o combate externo. Por isto, quando se faz um plano diretor, quando se trabalha o código de edificações, o zoneamento, a questão urbanística das cidades, tem que se pensar nas condições para que os bombeiros tenham como acessar as fachadas e efetuar o salvamento de pessoas. Felizmente, o prédio não tinha pessoas ocupando, mas e se tivesse? Se tivesse pessoas nos andares superiores, como os bombeiros poderiam resgatar mesmo com veículos especiais para isto?”, questiona.

EXISTENTES

Para Armani, a questão de o prédio ser uma “edificação existente” traz uma reflexão importante em relação ao Decreto 63.911, de 2018 e as 45 Its (Instruções Técnicas) de 2019. Ele ressalta que de toda esta legislação, apenas uma It (a 43) se dedica a prédios existentes. “Então quando a gente aborda um conjunto arquitetônico, um conjunto de edificações, como este caso, vários delas não estão sujeitas a todas as exigências por uma questão legal. E aí eu peço uma reflexão de todos se não é o momento para que se repense o nível de exigências ou de adequações de medidas de SCI um pouco mais rigorosa para as edificações existentes. Porque a grande maioria dos incêndios não ocorre em prédios com dois, três anos, mas em prédios que têm 30, 40, 50 anos para mais. Há uma discussão muito grande, toda vez que acontece um incêndio, se o prédio estava licenciado, se não estava. Mas, e se estivesse? O que ele teria?  Se não tivesse mudado a ocupação ele teria obrigatoriamente: saídas de emergência, sistema de hidrantes, de extintores, iluminação de emergência e alarme de incêndio.  A maior parte dos sistemas neste caso dependendo de ação humana, manual. Só que no momento em que as edificações comerciais, de escritórios de grandes cidades do Brasil afora não têm mais expediente, estão vazias, incêndios como este continuarão a se repetir. Então, temos duas preocupações: as normas de proteção passiva que vão assegurar o controle, a estabilidade, evitar a propagação, e os sistemas que possam atuar para que o incêndio, de alguma forma, seja automaticamente comunicado por meio de um sistema de detecção de incêndio ou de supressão que seja também automático como é caso de sprinklers”, destaca.

Neste sentido, Berto também lembrou do incêndio e desmoronamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, ocorrido em maio de 2018, na região do Largo do Paissandu, centro de São Paulo. ” Eu tive a oportunidade de analisar aquela situação e o que eu verifiquei é que a aplicação da IT 43 para aquele cenário não teria dado resultado distinto. Por quê? Pensando em um colapso estrutural, não há nas regras de adaptação nesta IT de exigências de resistência ao fogo e nem de compartimentação, tanto vertical quanto horizontal. Então esta preocupação de que a regulamentação para adaptação de edificações existentes tem que ser melhorada, eu estou de pleno acordo”.

Lin, que foi mediador da live, afirmou que o debate traz como conclusão, mais uma vez, a falta de cultura do país para o tema SCI. “As pessoas não se dão conta deste tipo de risco, só que desta vez isto acabou interditando uma região inteira comercial e acabou afetando muita gente. Só que incêndio não é brincadeira. Temos que levar a sério as medidas, respeitar as rotas de fugas desobstruídas. Vemos muitas porta corta-fogo trancadas, falta de manutenção e isto tudo vai aumentando o potencial de o incêndio causar uma tragédia. Acho que as pessoas que vão alugar, vão utilizar alguma edificação, elas são consumidoras e o consumidor, na minha opinião, tem muita voz frente a proprietários de estabelecimentos. E é importante que os usuários, por não terem o conhecimento técnico, exijam, pelo menos, a licença. Porque este é o primeiro filtro. O AVCB vai garantir que o prédio está 100% seguro? Nem sempre. Mas a chance é maior de um prédio estar mais seguro com o documento vigente comparado com um que não tenha nem AVCB”, compara.

A live na íntegra pode ser vista no vídeo a seguir:

COMBATE ÀS CHAMAS

O incêndio começou às 21 horas do dia 10 de julho. O risco de colapso do prédio mudou a estratégia de combate dos bombeiros. “A gente tem o risco de colapsar a estrutura, então, por isso, nesse momento, a gente não faz mais, desde terça – dia 12/07 –, o combate interno. A gente atua agora somente na parte externa, por isso dificulta um pouco o nosso trabalho e retarda o término desse incêndio”, disse o capitão Maycon Cristo, porta-voz do CBPMESP (Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo) para o portal G1.

Segundo os bombeiros, a interdição de vários imóveis ao redor ocorreu por precaução. “A estrutura que nos preocupa mais é o prédio que está em chamas. Essas demais edificações interditadas ao redor, justamente por a gente não saber o comportamento desse prédio em chamas caso ele colapse. Se ele tombar ele pode atingir qualquer uma dessas estruturas ao entorno dele, por isso essa precaução de deixá-las interditadas também. Nem todas elas estão com risco de colapsar, algumas estão com risco de ser atingidas caso ele colapse”, disse o capitão Maycon ao G1. Após quatro dias de combate, os bombeiros consideraram o incêndio extinto, apesar de ainda existirem pequenos focos. Os trabalhos foram encerrados no local no final da tarde de quarta (13/07), mas uma equipe com cinco profissionais seguiu no local para fazer o acompanhamento. As vias da 25 de Março, que estavam interditadas, foram liberadas. Apenas a rua onde fica o prédio, a Rua Comandante Abdo Schahin, permaneceu fechada. Até agora as causas do incêndio não foram esclarecidas.

Vistoria realizada no dia 16 de julho descartou o risco de o prédio que pegou fogo desabar por completo. Ele será demolido, podendo levar até seis meses para ser concluída a demolição completa.

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