A autoproteção do cidadão é que irá proteger a sua comunidade e o nosso país

No artigo anterior anunciei que no próximo daria continuidade ao tema da cadeia de informação sobre desastres, mas lendo há dias atrás o blog do Ascânio Seleme sob o sugestivo título “Eu ia escrever sobre o amor” e que acabou falando do coronavírus, peço licença aos meus recentes leitores para fazer o mesmo. A atmosfera de quase pânico mundial com a pandemia impede que as pessoas tenham motivação para ler qualquer texto que não fale sobre o assunto no momento.

Diariamente, logo nas primeiras horas da manhã, cultivo o hábito de ler, on-line, as primeiras notícias nos principais veículos da grande mídia a fim de me manter informado sobre os últimos acontecimentos da noite anterior e da madrugada, pois essa é a velocidade da mídia atual. Quando pego o jornal físico na porta, este frequentemente já está desatualizado e tenho a certeza, que por essa mesma razão, estes deverão desaparecer em breve, substituídos pela mídia digital, mais ágil e com menor custo, para desespero dos saudosistas que ainda gostam de sentir o cheiro e a textura do papel. Não me incluo nesse grupo e só continuo a receber a versão impressa do jornal por uma gentileza do editor que me deu essa opção, quase gratuita, ao assinar a versão digital.

Vou aproveitar algumas frases que reputo importantes, que foram ditas por algumas personalidades durante a semana e rapidamente multiplicadas pela mídia, nacional e internacional, para levantar algumas questões que possam produzir reflexões sobre o momento atual.

Sob o título “Pandemia. Coronavírus: após a Itália, a França e a Espanha tomam, por sua vez, medidas drásticas” (tradução livre), o jornal francês Courrier International de 15.03.2010, trouxe entre outros assuntos, uma novidade preocupante sobre a letalidade do vírus na França. Citando como fonte o New York Times, informa que nas últimas 72 horas o número de infectados na França dobrou atingindo 4.500 pessoas, sendo que 300 pacientes estão em estado crítico. Mas o dado preocupante é que a metade destes é constituída de pessoas com menos de 50 anos de idade. Isso muda o paradigma de que o novo coronavírus era letal, na sua grande maioria, para idosos acima de 80 anos e ainda assim com quadros de comorbidades.

O Primeiro-ministro francês, Édouard Philippe, disse que o distanciamento social é a melhor maneira para combater a epidemia ao justificar as medidas restritivas que tomou neste sábado (14) para conter a propagação do vírus, uma vez que as pessoas não estavam respeitando os avisos de só saírem de casa em casos de extrema necessidade. Esse comportamento por parte, principalmente daqueles que estão fora dos grupos de risco, me fez lembrar Bertolt Brecht, que fazendo referência à passividade de boa parte da população alemã frente aos absurdos da investida nazista sobre as minorias escreveu: “Primeiro levaram os negros, mas não me importei com isso, eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários, mas não me importei com isso, eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis, mas não me importei com isso, porque eu não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados, mas como tenho meu emprego, também não me importei. Agora estão me levando, mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo”.  

A versão chinesa do novo coronavírus atingiu, preferencialmente, os muito idosos com outras doenças já instaladas, mas também jovens saudáveis das equipes de saúde, provavelmente em função da alta carga viral a que estiveram submetidos, associada a tempos de exposição elevados; mas estudos preliminares indicam que o vírus também tem atingido um percentual de pessoas mais jovens.

Nesse novo quadro as medidas de restrição de mobilidade e aglomeração de pessoas a fim de evitar a contaminação acelerada pelo vírus, deverão ser implantadas o mais rápido possível e cabe à população entender essa necessidade e cumprir os protocolos de recolhimento domiciliar. Mas sabemos que na prática não será fácil quebrar essa cadeia de propagação do vírus.

Como garantir o distanciamento social nas favelas do Rio de Janeiro e São Paulo, estados onde a transmissão comunitária é maior, considerando a alta densidade demográfica nessas comunidades? Como evitar que um morador da periferia que trabalha em casa de morador que veio recentemente do exterior, leve o vírus para a sua comunidade, menos protegida? E como evitar que um morador infectado da periferia leve agora o vírus para outra família ou empresa onde trabalha, mesmo que ninguém tenha viajado para o exterior? Teremos um longo aprendizado pela frente nas relações humanas e nos conceitos de mobilidade a partir de agora.

E finalizando, quero aproveitar a frase do Ministro Paulo Guedes, reproduzida na capa da Revista Veja da edição de 18.03.2020 de que “Precisamos proteger o Brasil”. Quem precisa de proteção é o povo brasileiro e esta só virá com a mudança de comportamento de cada cidadão em relação à sua segurança sanitária pessoal. A autoproteção do cidadão é que irá proteger a sua vida e da sua comunidade e consequentemente do nosso país.


O blog Proteja-se trata de segurança humana de uma forma geral, pois nenhum sistema de proteção civil do mundo consegue garantir a total segurança do indivíduo sem que o mesmo adote procedimentos de autoproteção. O blog quer ajudar a desenvolver no Brasil a cultura da autoproteção. O autor do blog é Airton Bodstein, Doutor em Química Ambiental pela Université de Rennes I, França e Pós-doutorado na Oregon State University, EUA. Fundador do Mestrado em Defesa e Segurança Civil e Professor Titular da Universidade Federal Fluminense. Fundador e atual Presidente da ABRRD – Associação Brasileira de Redução de Riscos de Desastres.
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