A difícil tarefa de divulgação de ameaças e desastres

A informação tem importante papel na construção da cidadania; um cidadão bem informado melhora a compreensão da sua própria vida, do seu ambiente e da sociedade como um todo e a mídia, nas suas mais diferentes formas de comunicação, é fator crucial nesse processo.

A informação é unilateral, o emissor não sabe como o receptor a recebeu e como tratará essa informação; este pode simplesmente descartá-la ou repassá-la, sem nenhuma análise da mesma ou apenas de forma superficial. A informação se torna útil quando ela é internalizada pelo receptor, analisada dentro do seu contexto e transformada em conhecimento adquirido sobre determinado assunto. Nas primeiras décadas do século passado, as pessoas interessadas em ampliar o seu conhecimento buscavam a informação na mídia impressa, bibliotecas ou nas rádios, fonte mais rápida e globalizada da época.

Com o advento da televisão nos anos trinta e da internet nos anos setenta, a informação sofreu uma brutal transformação, que atingiu o seu clímax na universalização dos telefones celulares, que transformaram-se rapidamente em poderosos computadores de mão, os smartphones, com informações disponíveis 24h/dia para boa parte da população mundial. Substituiu-se a informação lenta mas confiável do passado, por uma massa de informações novas a cada minuto que nenhum indivíduo tem a capacidade de processar, o que facilitou enormemente a divulgação de notícias falsas (fake news), uma vez que, sem tempo para analisar, as pessoas simplesmente as repassam, acreditando que estão prestando um serviço aos amigos e à sociedade.

É nesse contexto que a mídia atual tem a árdua tarefa de informar a população sobre ameaças de desastres ou do desastre já instalado. Os profissionais da área de defesa civil sabem que as primeiras informações sobre um desastre, transmitidas por pessoas próximas do evento são, geralmente, pouco confiáveis, incompletas ou ampliadas por desconhecimento técnico e acúmulo de carga emocional. Por outro lado, cabe aos repórteres, rapidamente enviados aos locais, retratar em tempo real, com som e imagem, o que está acontecendo. Ocorre que muitos desses profissionais têm conhecimentos limitados sobre a dinâmica dos desastres e também estão sujeitos às suas emoções pessoais.

Começam então as entrevistas ao vivo com especialistas e vários são aqueles que também respondem de forma superficial, não por falta de conhecimento, mas pela impossibilidade de contextualizar o fenômeno dentro do tempo exíguo de que dispõem para falar. A mídia atual tem pressa, mesmo que a informação saia prejudicada; as correções serão feitas posteriormente, caso os editores assim entenderem necessárias.

Mas o fundamental é o equilíbrio da informação onde os riscos não podem ser minimizados a ponto de não provocar reação de resposta por parte das autoridades, aumentando a possibilidade de danos à população, ou exacerbados, criando uma situação de pânico que afetará gravemente o equilíbrio emocional das pessoas e a economia local e/ou mundial, causando mais danos que o próprio desastre.

Tomando como exemplo a epidemia da COVID-19, boa parte da mídia mundial apresentou um cenário catastrófico para a população, com imagens fortes de profissionais de saúde em roupas de astronautas e dando ênfase para o crescente número de mortos e infectados na China. Pouca atenção foi dada inicialmente ao número de pessoas curadas, à prevalência sobre idosos acima de 80 anos e à inexistência de crianças infectadas. Desde o início da epidemia já se evidenciava a baixa letalidade do vírus.

Analisando os dados fornecidos e atualizados em tempo real, pelo aplicativo da Universidade Johns Hopkins, verifica-se que o total de casos de contaminação notificados na China, em 20.01.2020, início da epidemia que só foi decretada pela OMS dez dias após, era de 278 e no dia seguinte, 25 pessoas já estavam curadas. Os últimos dados do dia 06.03.2020 (14h) mostram 80.600 infectados e 55.900 curados, ou seja, quase 70% de curados. O mais importante é verificar que a curva de infecção praticamente se estabilizou na última semana e a de curados aumentou em 76,5%. Em algumas semanas essas curvas irão se encontrar, o que significa, provavelmente, o controle da epidemia na China em um prazo de três meses; isso em um país com uma população de 1,4 bilhão de pessoas e alta densidade demográfica, o que facilita a disseminação de doenças. Mas o grande destaque na mídia foi o número de mortos, um total de 3.460 em todo o mundo, até a data de referência deste artigo, o que corresponde a uma taxa de letalidade de 3,4%, que na realidade deve ser inferior, considerando os milhares de casos de subnotificação.

Os riscos da COVID-19 para a população mundial, baseado nos dados atuais, são muito baixos, quando comparados com o histórico de mortes por epidemias como a peste bubônica (50 milhões), varíola (300 milhões), gripe espanhola (20 milhões), AIDS (22 milhões) e mais recentemente a Influenza H1N1 (500 mil). Isso demonstra o grande avanço da medicina no controle das epidemias nos últimos séculos. Mas é evidente que a epidemia continua a se espalhar em outras partes do mundo, e portanto, todos os protocolos de proteção devem ser mantidos.

O lado bom desse prognóstico negativo é que o novo Coronavírus proporcionou, para a China e todos os países atingidos, mesmo em menor escala, um excelente aprendizado para o enfrentamento de pandemias futuras. Em linguagem de Defesa Civil, foi um verdadeiro teste simulado em que tudo foi testado em tempo recorde, da identificação do genoma do vírus, produção de vacinas, construção de hospitais, isolamento de cidades inteiras, suprimentos de EPI, limites de segurança para as equipes de saúde e principalmente, uma mudança de comportamento de autoproteção por parte da população, tanto em relação à higiene pessoal como outros procedimentos que dificultam a propagação de doenças diversas.

No próximo artigo abordaremos o papel dos pesquisadores e emissores de alertas, na cadeia de informações sobre ameaças e desastres.


O blog Proteja-se trata de segurança humana de uma forma geral, pois nenhum sistema de proteção civil do mundo consegue garantir a total segurança do indivíduo sem que o mesmo adote procedimentos de autoproteção. O blog quer ajudar a desenvolver no Brasil a cultura da autoproteção. O autor do blog é Airton Bodstein, Doutor em Química Ambiental pela Université de Rennes I, França e Pós-doutorado na Oregon State University, EUA. Fundador do Mestrado em Defesa e Segurança Civil e Professor Titular da Universidade Federal Fluminense. Fundador e atual Presidente da ABRRD – Associação Brasileira de Redução de Riscos de Desastres.
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