A “roda” ainda não está redonda

Tenho dificuldade, por uma boa dose de impaciência que vem se agravando, em participar da produção coletiva de normas técnicas.

Manter o foco, apontar caminhos tomando-se como base estudos, evidências, fatos e estatísticas, deveria ser o padrão. Nós em geral não trabalhamos dessa maneira, em especial na produção de normas brasileiras sob o modelo da ABNT. Além dessa falta de estudos há, no caso da ABNT, a rotineira ausência de representantes dos consumidores, o que empobrece sobremaneira as proposições.

Um mote que cansei de ouvir quando se busca gerar uma norma brasileira é: não vamos reinventar a roda! E ele tem nos conduzido a usar a traduções, com pequenos ajustes, de normas apanhadas no exterior.

Comentado artigo deste blog de 10/02/2020, há texto científico mostrando o quanto de paradigmas confirmadamente rejeitados é incorporado em normas de países tecnologicamente mais desenvolvidos. Citado ainda o exemplo de que uma das normas mais consagradas, qual seja, a NFPA 101, o Código de Segurança da Vida, mesmo atendido, não impediu a morte de 100 pessoas no incêndio da The Station em 2003. Essas normas estavam e estão “redondas”?

É sempre útil verificar o que se faz alhures, e analisar, entender a lógica, comparar e, especialmente, confrontar as diferenças culturais, de sistema político, judiciário, etc.

A Segurança Contra Incêndio é área do conhecimento multidisciplinar, e novíssima! Os números usados como referência são, com raríssimas exceções, “mágicos”. Mais restritivos quanto mais próximos das tragédias ocorridas e, quase sempre com nenhuma ou com parca base científica!

Em 18/06/2020 comentei sobre os números usados nas normas para pautar as áreas máximas de compartimentação. Cito agora a NBR 17 505 – Armazenamento de líquidos inflamáveis e combustíveis (IT-25 do Corpo de Bombeiros de São Paulo). Ela possui números reguladores apanhados na NFPA-30. Alguém me poderia dizer onde estão os estudos que os embasam? Qual a cientificidade?

Mais, qualquer texto, em especial os normativos, necessitam possuir “usabilidade”. Conheço alguns dos profissionais que se dedicaram com afinco na produção dessa norma num trabalho dedicado e exaustivo. Infelizmente o aspecto usabilidade ficou ausente. Poucas vezes li algo tão contraintuitivo e de manuseio tão desnecessariamente trabalhoso! Nessa norma a roda, infelizmente, aparenta estar “quadrada”!

Para finalizar, é importante lembrar, que dia 27 deste mês completará 8 anos do incêndio na Boate Kiss, gerador de muitas mudanças e evoluções, mas ao preço assustador de 242 vítimas fatais! Como lembram os argentinos após o incêndio na Cromagnon: façamos o possível para “que não se repita”!


O blog Falando de SCI (Segurança Contra Incêndios) trata dos incêndios e seus impactos na sociedade e de fundamentos e aspectos da regulamentação de segurança contra incêndio em geral. Seu autor é Walter Negrisolo, oficial da RR (reserva remunerada) do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar de São Paulo; Mestre em Arquitetura e Urbanismo e Doutor em SCI.
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