A vulnerabilidade brasileira frente a desastres de grandes proporções

Há quase doze anos atrás, mais precisamente no dia 26 de novembro de 2008, eu proferi uma conferência no IV Seminário Internacional de Defesa Civil – DEFENCIL realizado na cidade de Belém no Pará, sob o mesmo título com o qual nominei este artigo. Logo no inicio da apresentação,  coloquei duas perguntas para aquelas centenas de especialistas em defesa civil ali presentes, vindos de todas as regiões do país, sendo elas: “O Brasil está imune a desastres de grande porte? Quais são as percepções de risco no Brasil por parte de técnicos, políticos, mídia e população em geral?”.

Naquela época os desastres mais visíveis para a população eram os incêndios, as enchentes, inundações, estiagens e secas no Nordeste e em algumas poucas regiões, fortes chuvas e deslizamentos de massa na região de Santa Catarina. Esses eventos já estavam, de certa maneira, internalizados na população que reagia a eles com uma boa dose de aceitação, vistos como fatalidades, ou como diríamos hoje, de naturalização do desastre. Mas é preciso reforçar a ideia de que um desastre embora possa ter origem natural, não pode ser aceito como tal.

O primeiro passo para se proteger de um potencial dano provocado por um desastre é reconhecer a existência de uma ameaça que possa vir a se transformar em um risco à nossa integridade física, e para isso, será necessário que o indivíduo tenha um mínimo de percepção de riscos. Quando a percepção de riscos está ausente, o risco não é percebido e, portanto a ameaça, para aquele cidadão, não existe. Não existindo ameaça não há preocupação em estabelecer nenhum mecanismo de defesa. Os piores desastres para uma população serão sempre aqueles considerados raros, ou com pouquíssimas chances de ocorrerem. Quando se analisa os efeitos que podem resultar de um desastre, são considerados a probabilidade de ocorrência do mesmo, o grau de intensidade, o grau de vulnerabilidade do receptor e o grau de dano que o desastre poderá causar à população em todos os aspectos da vida social e econômica. Dessa forma, um desastre de baixíssima probabilidade de ocorrência, mas com possibilidade de provocar grandes danos, será considerado de alto risco, como seria o caso dos terremotos ou tsunamis no Brasil.

A possibilidade desses eventos ocorrerem, com alta letalidade em nosso país, é muito baixa, porém de acordo com Kristin Shrader-Frechette, da  University of Notre Dame, EUA “é eticamente inadequado assumir que um risco, quando incerto ou desconhecido, é igual a zero ou seja considerado como não importante”.

Voltando à minha palestra em 2008, eu havia elencado naquele momento, um grupo de potenciais ameaças de grandes desastres no Brasil, para os quais o país não estava suficientemente preparado, entre elas os furacões, terremotos, vulcões, tsunamis, epidemias, deslizamentos de massa, acidentes nucleares, terrorismo, crime organizado, desertificação e rompimento de barragens. Um furacão, fato raro no Brasil, já havia ocorrido em 2004 no litoral de Santa Catarina daí ter sido batizado de  Catarina; tremores de terra ocorrem com frequência em nosso território, felizmente de baixa intensidade em sua grande maioria, mas já tivemos um sismo de 6,5 de magnitude na região Centro-Oeste em área desabitada, mas que poderia provocar sérios danos, caso ocorresse em zona populosa. Sabemos que os terremotos são impossíveis de serem previstos com a antecedência necessária e, portanto é fundamental que as pessoas adotem certos procedimentos de autoproteção em situações como essa. Ficar atento ao balanço, mesmo leve, de luminárias ou objetos pendulares, pequenas rachaduras em paredes e também a mudanças repentinas de comportamento de animais; esses eventos podem ser indicadores da iminência de um sismo. Nesses casos é bom abandonar a casa ou prédio e se afastar deles, de forma a não ser atingido por vidros ou pedaços de parede que possam se desprender, bem como diversos outros objetos que poderão ser arremessados à distância. Na impossibilidade de fuga, buscar proteção sob estruturas mais sólidas no ambiente, como mesas por exemplo.

Alguns dos eventos citados à época se tornaram realidade nos anos seguintes, como por exemplo, os deslizamentos de massa do Morro do Bumba em Niterói, RJ em 2010 e da região Serrana também do Rio de Janeiro em 2011 que causaram mais de mil mortes. No campo das epidemias já sofremos recentemente com a dengue, zica, chicungunha, sarampo, febre amarela, H1N1 e agora, em escala mundial, a Covid-19. As epidemias, infelizmente, voltarão a atingir o Brasil e o mundo nos próximos anos favorecidas pela grande e rápida circulação de pessoas ao redor do planeta, mas certamente, estaremos mais preparados para enfrentá-las a partir da dura experiência com a Covid-19. Um dos aspectos positivos está sendo a reestruturação de todo o sistema brasileiro de saúde pública, com grandes investimentos em pessoal, equipamentos e logística gerando um aumento da capacidade e velocidade de resposta. E no caso das epidemias, a autoproteção passa sempre pelo respeito aos protocolos de higiene, distanciamento e utilização consciente de EPIs.

E no caso de um muito pouco provável tsunami, estaríamos preparados para enfrentá-lo? O risco de forte impacto em vidas e danos materiais seria importante, considerando a grande extensão do nosso litoral ocupado pela maioria da população brasileira. Nesse caso o melhor a fazer é adotar as medidas de precaução, mais simples e menos custosas que grandes planos de prevenção e resposta. Para os tsunamis um sistema de alarme nas praias com a utilização de drones, por exemplo, em conjunto com uma sinalização de rotas de fuga e treinamento da população para se afastar rapidamente das praias em caso de alertas, já seria um bom começo.

Para esses, como outros eventos de grande magnitude e baixa probabilidade de ocorrência em nosso país, seria interessante aplicar às teorias e práticas da proteção e defesa civil, o Principio 15 da Declaração sobre o meio ambiente e desenvolvimento da ECO 92, realizada no Rio de Janeiro que diz: “De modo a proteger o meio ambiente, o PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza cientifica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental” (leia-se proteger a vida humana e dos animais). E lembrem-se, precaução e prevenção aumentam substancialmente a nossa proteção.


O blog Proteja-se trata de segurança humana de uma forma geral, pois nenhum sistema de proteção civil do mundo consegue garantir a total segurança do indivíduo sem que o mesmo adote procedimentos de autoproteção. O blog quer ajudar a desenvolver no Brasil a cultura da autoproteção. O autor do blog é Airton Bodstein, Doutor em Química Ambiental pela Université de Rennes I, França e Pós-doutorado na Oregon State University, EUA. Fundador do Mestrado em Defesa e Segurança Civil e Professor Titular da Universidade Federal Fluminense. Fundador e atual Presidente da ABRRD – Associação Brasileira de Redução de Riscos de Desastres.
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