Vamos criar a Engenharia de Segurança contra Incêndio no Brasil?

O debate sobre a engenharia de segurança contra incêndio no Brasil tem se tornado mais frequente nos últimos tempos e creio que chegou a hora de realmente resolvermos o problema. Precisamos ter engenheiros de incêndio com formação adequada e reconhecida pelos conselhos profissionais e pelas autoridades, e creio que já temos massa crítica para isso.

Alguns países já oferecem essa formação, e gostaria de ressaltar alguns pontos.

1: O número de engenheiros de incêndio formados a cada ano é surpreendentemente pequeno, mas o nível de remuneração é alto (pelo menos nos EUA)

Nos Estados Unidos, que talvez seja o país onde mais se pesquisa incêndio no mundo, foram formados em 2017 aproximadamente 125 mil engenheiros de todas as modalidades (https://www.asee.org/documents/papers-and-publications/publications/college-profiles/2017-Engineering-by-Numbers-Engineering-Statistics.pdf), mas o número de engenheiros de incêndio formados por lá a cada ano não passa de aproximadamente 200 a 250.

Conversei recentemente com Milosh Puchovsky, professor do Worcester Polytechnic Institute (WPI), uma faculdade muito respeitada na área de engenharia de incêndio nos EUA, que disse que tipicamente 30 a 40 engenheiros (mestres e PhDs) são formados a cada ano na WPI. Sempre imaginei que esse número fosse bem maior.

E contrariando aqueles que dizem que não há demanda para engenheiros de incêndio, os salários desses profissionais estão entre os mais altos da engenharia nos EUA. Victoria Valentine, diretora de Qualificação Profissional da SFPE, Society of Fire Protection Engineers (www.sfpe.org), estima que são formados nos EUA metade dos engenheiros de incêndio que o mercado necessita, e os salários refletem esse fato.  

2: Há poucas faculdades que formam engenheiros de incêndio nos EUA e no resto do mundo

No Brasil há mais de 800 instituições de ensino superior autorizadas pelo MEC para oferecer cursos de engenharia. Se compararmos com o número de instituições que oferecem engenharia de incêndio no mundo (veja a tabela abaixo), é fácil concluir que também no Brasil esse número seria de no máximo duas ou três faculdades para atender à demanda desse nicho de mercado.

PaísNúmero de faculdades
que oferecem engenharia de incêndio
(graduação e pós-graduação)
Alemanha1
Austrália2
Bélgica1
Canadá2
China1
Dinamarca1
Escócia1
Espanha2
Estados Unidos7
Hong Kong1
Inglaterra 2
Irlanda do Norte1
Noruega1
Nova Zelândia 1
Portugal1
Suécia1

3: A oferta de cursos de especialização tem crescido muito no Brasil

Há alguns anos fiz uma pesquisa sobre cursos de especialização em segurança contra  incêndio no Brasil e lembro que a PUC do Paraná e a Unisinos estavam entre as poucas que ofereciam cursos de especialização. Fiz nova pesquisa este mês e, para minha surpresa, entre versões presenciais e a distância, consegui encontrar mais de 10 instituições de ensino superior que oferecem algum tipo de especialização em segurança contra incêndio, indicando que há uma demanda crescente por esse tipo de formação.

A segurança contra incêndio no Brasil tem evoluído muito nos últimos anos, mas a falta de uma formação profissional estruturada e de qualidade continua a ser o nosso calcanhar de Aquiles. Minha proposta, e de várias pessoas com quem tenho conversado sobre esse tema, inclui:

1. Não vejo como viável a criação, neste momento, de cursos de graduação em engenharia de incêndio, mas acho que o modelo da engenharia de segurança trabalho poderia ser usado com sucesso para implantação da engenharia de incêndio.

2. A engenharia de segurança do trabalho foi criada em 1985 por projeto de lei no Congresso Nacional (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7410.htm) e creio que a maneira mais rápida de termos a engenharia de incêndio em um prazo razoável seria utilizar o mesmo caminho.

3. É fundamental que a especialidade de engenharia de segurança contra incêndio seja reconhecida pelos CREAs, e que a legislação de incêndio dos estados privilegie esses profissionais, tornando obrigatória a sua participação nas várias etapas do processo de projeto e instalação de sistemas de incêndio. E que seja requerido das empresas de alto risco de incêndio a contratação de engenheiros de segurança contra incêndios.

4. Se se repetir aqui o que acontece em outros países, não haverá espaço para muitos cursos, portanto, é importante que a oferta seja distribuída para atender as várias regiões do país.

5. Em 2018 a Frente Parlamentar Mista de Segurança contra Incêndio do Congresso Nacional já conseguiu avanços, como a preparação de uma proposta de currículo mínimo e ao conseguir que a área de Segurança contra Incêndio fosse reconhecida como Área de Conhecimento pelo CNPQ.

Quando me formei há mais de 30 anos a ideia de termos cursos de engenharia de incêndio era algo que não passava pela cabeça dos mais sonhadores. Estamos em 2020 e acho totalmente plausível imaginar que em dois ou três anos poderemos ter esse sonho realizado. Basta querer e fazer. Vamos criar a Engenharia de Segurança contra Incêndio no Brasil?    


Os incêndios são iguais tanto aqui no Brasil como em qualquer outro lugar do planeta. Este blog pretende abrir espaço para debater e apresentar diferentes casos e experiências de segurança contra incêndio no Brasil e no mundo, incluindo aspectos regulatórios da proteção contra incêndios e discutir como a legislação, regulamentação e normas técnicas afetam a segurança da sociedade e o dia a dia dos profissionais de incêndio. Marcelo Lima, responsável por este blog, é Engenheiro Químico, atua na área de incêndio deste 1987, com vivência na área de análise de riscos, normas técnicas e certificação de produtos. É o diretor geral do Instituto Sprinkler Brasil e consultor sênior da resseguradora FM Global.
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