O aprendizado com o Vulcão Cumbre Vieja

A erupção do Vulcão Cumbre Vieja, na Ilha de La Palma, no arquipélago das Canárias, na costa africana, ocorrida no dia 19 de setembro deste ano me trouxe várias lembranças, preocupações e aprendizado. A lembrança foi do início do Programa de Mestrado em Defesa e Segurança Civil da Universidade Federal Fluminense, em agosto de 2007, data em que eu assumia a Coordenação do Curso recém criado tendo como Vice-Coordenador o Prof. Alberto Figueiredo do Departamento de Geologia da UFF. O Prof. Alberto, com doutorado em Geologia e Geofísica Marinha pela Universidade de Miami, foi a primeira pessoa a me falar do Cumbre Vieja lá no início daquele ano. Ele me passou a referência de um artigo que havia sido publicado na revista American Geophysical Union em 2001, de autoria dos pesquisadores Steven N. Ward do Institute of Geophysics and Planetary Physics, da Universidade da Califórnia, Estados Unidos e Simon Day do Department of Geological Sciences, University College, do Reino Unido. O citado artigo tinha como título “Cumbre Vieja Volcano – Potential collapse and tsunami at La Palma, Canary Islands”. Li atentamente o artigo o qual apresentava uma série de argumentos científicos sugerindo o alto risco de uma catástrofe capaz de atingir diversos países na costa africana, Europa e nas Américas do Norte, Central e do Sul. O Brasil, mais precisamente a região Nordeste, também seria atingido por esse grande evento.

Em um primeiro momento a questão era: que tipo de dano, um vulcão em erupção na costa oeste da África, distante mais de 4 mil km do litoral  brasileiro, poderia provocar no Brasil? Segui acompanhando esses estudos com a visão de um profissional de Defesa e Segurança Civil que não pode descartar nenhuma ameaça, por mais improvável que pareça, até que ela seja comprovadamente refutada. Vários pesquisadores se debruçaram sobre o assunto e em consequência, como é da prática científica, muitos artigos foram publicados, uns apoiando e outros contestando as teorias dos pesquisadores Ward e Day. O vulcão, ativo desde o ano de 1430 quando teve a sua primeira erupção registrada, voltou à atividade nos anos de 1585 (84 dias de erupção), 1646 (82 dias), 1677 (66 dias), 1712 (56 dias). Em 1949 ocorreu uma erupção mais importante, com duração de 47 dias e forte atividade sísmica, que causou um desabamento de parte de seu flanco Oeste, afundando quatro metros oceano abaixo da Ilha. Uma nova erupção ocorreu então no ano de 1971 com duração de 24 dias.

A tese apresentada por Ward e Day (*) era a de que em função da forte probabilidade de uma nova erupção de caráter explosivo como aquela de 1949, e considerando a fragilidade já presente por conta da fratura já existente, boa parte da ilha poderia colapsar, jogando ao mar um bloco de material com 500 km3 de volume, pesando 500 bilhões de toneladas, percorrendo uma trajetória de quase 4 km da superfície ao fundo do mar. O deslocamento de água imediato poderia formar ondas com mais de uma centena de metros de altura provocando em seguida um megatsunami. Fato semelhante já ocorreu no Alaska, felizmente em zona quase desabitada, o que impediu maiores danos em perdas humanas. Os pesquisadores desenvolveram então um modelo matemático do deslocamento desse megatsunami que, viajando a uma velocidade de cerca de 800 km/h poderia atingir o continente americano em cerca de 6 a 7 horas com ondas de 20 a 30 metros de altura. Esse seria o tamanho do desastre previsto pelo estudo.

Em 19 de abril de 2006, o jornalista Ian Sample publicou uma matéria no jornal The Guardian, de Londres com o título “Erupção ameaça dois continentes – Vulcão nas Ilhas Canárias ameaça explodir e gerar onda que chegará na África, Caribe, América do Norte e Norte do Brasil”. Na reportagem ele citava o Diretor do Centro de Pesquisas de Riscos Benfield Grieg, da University College of London, Bill Mc Guire, que segundo ele, “um grande bloco de terra, aproximadamente do tamanho da ilha britânica de Man (572 km²), está prestes a se desgarrar da ilha de La Palma, nas Canárias, após uma erupção do vulcão Cumbre Vieja”. Quando o bloco cair, vai gerar ondas gigantes chamadas megatsunamis. Viajando a 900 km/h, as imensas paredes de água vão atravessar os oceanos e atingir ilhas e continentes, deixando um rastro de destruição como os vistos no cinema”. As megatsunami são ondas muito maiores do que as que o homem está acostumado a ver. É como uma grande parede de água em direção ao litoral – descreve McGuire. Modelos feitos em computador do colapso da ilha mostram as primeiras regiões a serem afetadas por ondas de até 100 metros de altura. A ilha de Fernando de Noronha será um dos locais onde o tsunami chegará com mais força no Atlântico Sul”.

Um ano antes no Brasil, em 05 de janeiro de 2005, o pesquisador do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB) Prof. Vasile Marza, em entrevista para a Agência UnB disse que qualquer país costeiro, inclusive o Brasil, pode ser atingido por uma onda gigante. Elas podem ser geradas por atividades vulcânicas, deslizamento de terra na superfície ou sob o oceano ou pela queda de asteroides. Esse último fenômeno é raro, mas possível de acontecer”. O Prof. Marza também acreditava na teoria do colapso da Ilha de La Palma ao afirmar, na mesma entrevista na UnB, que “ondas gigantes no Oceano Atlântico atingiriam a costa brasileira. E é possível que elas ocorram. O vulcão Cumbre Vieja, no arquipélago das Ilhas Canárias, tem um de seus flancos instáveis que pode se desprender da rocha caso ele entre em atividade. Estatísticas confiáveis desde o ano de 1600 mostram que o Cumbre Vieja tem fortes explosões a cada dois ou três séculos. A última foi em 1971. Acredito que, provavelmente, temos uns 200 anos de folga”. O Prof. Vazile Marza veio a falecer no ano seguinte e foi um dos raros pesquisadores brasileiros a defender medidas de prevenção contra tsunamis na costa brasileira. A sua estimativa de um prazo de cerca de dois séculos para uma nova erupção se mostrou equivocada com a última erupção do Cumbre Vieja 50 anos após a anterior. Esperemos que ele também tenha errado na sua previsão do colapso da Ilha de Las Palmas com a geração do megatsunami.

Em 2007 fiz uma conferência no 4º Fórum de Defesa Civil sobre diversas ameaças que poderiam atingir o nosso país e fiz menção ao vulcão Cumbre Vieja, entre diversas outras possibilidades. Ao longo de muitos anos voltei a apresentar o tema nas minhas aulas na Universidade e também em palestras para diferentes públicos, principalmente para os agentes de Defesa Civil. Algo me dizia que eu ainda teria a oportunidade de ver o Cumbre Vieja novamente ativo, mas sempre torcendo fortemente para que o episódio não passasse de mais um espetáculo da natureza sem vítimas fatais.

O que sabemos por enquanto, é que o Vulcão Cumbre Vieja já está em erupção há mais de 50 dias;  vulcanólogos informaram que a força do vulcão vem aumentando e não há previsão para o fim das explosões, expelindo maior quantidade de lavas e cinzas no entorno de sua base. Voltando ao início deste artigo, eu diria que a preocupação com vulcões, tsunamis, furacões, terremotos e outras fortes manifestações da natureza não devem nunca ser desprezadas nem mesmo minimizadas. É preciso ficar em alerta permanente. E o aprendizado é de que um vulcão que se encontra adormecido por séculos, sempre poderá acordar e nós não temos conhecimento científico suficiente para prever esses fenômenos muito menos evitar que aconteçam. O Sistema de Defesa Civil da Espanha em parceria com autoridades da ilha de La Palma tem demonstrado a importância de um bom planejamento na prevenção de grandes desastres. Apesar da grandiosidade desta última erupção, e dos grandes danos materiais provocados pela lava e fumaça, nenhuma vítima fatal foi registrada. Em casos semelhantes só nos resta a possibilidade de atuar na implantação de sistemas de precaução, prevenção e proteção da população contra os danos que possam vir a ocorrer, alertando para que as pessoas se afastem o mais rapidamente possível das praias e áreas litorâneas caso um alerta seja emitido pelas autoridades. O Cumbre Vieja despertou mais uma vez e a dimensão do que possa vir a ocorrer, continuará sendo um mistério da natureza.

(*) O canal The History Channel exibiu, em 2006, um documentário intitulado “Mega Desastres – Tsunami na Costa Leste”, sobre a ameaça do Cumbre Vieja, disponível no link https://www.dailymotion.com/video/xrhyib


O blog Proteja-se trata de segurança humana de uma forma geral, pois nenhum sistema de proteção civil do mundo consegue garantir a total segurança do indivíduo sem que o mesmo adote procedimentos de autoproteção. O blog quer ajudar a desenvolver no Brasil a cultura da autoproteção. O autor do blog é Airton Bodstein, Doutor em Química Ambiental pela Université de Rennes I, França e Pós-doutorado na Oregon State University, EUA. Fundador do Mestrado em Defesa e Segurança Civil e Professor Titular da Universidade Federal Fluminense. Fundador e ex-Presidente da ABRRD – Associação Brasileira de Redução de Riscos de Desastres.
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