Conhecida antigamente por “manobra de Heimlich”, tem utilidade no afogamento?

A Manobra de Heimlich é o melhor método pré-hospitalar de desobstrução das vias aéreas superiores por corpo estranho. Essa manobra foi descrita pela primeira vez pelo médico americano Henry Heimlich em 1974 e induz uma tosse artificial através do aumento da pressão abdominal, que assim pode expelir o objeto da via área alta da vítima.

Corpo estranho em vias aéreas é qualquer objeto que se coloque em posição de impedir a respiração, tais como balas, moedas, dentadura, alimentos e outros.

Dada a aceitação da comunidade científica ao uso da manobra proposta para obstrução de vias aéreas por corpo estranho (OVACE), e na ausência de outras alternativas, houve grande aceitação ao seu uso e diversos casos de sucesso foram descritos, dando suporte prático embora com baixo nível de evidencia cientifica.

Em 1996, em congresso internacional sobre afogamento realizado pela International Swimming Hall of Fame (ISHOF), na Flórida, o Dr Heimlich apresentou o uso da manobra em casos de afogamento como primeira medida a ser realizada. Foram levantadas questões importantes sobre as diferenças fisiopatológicas dos dois processos, mas na opinião do Dr Heimlich isso não era significante para desaconselhar o seu uso. Daquela data em diante o Dr Heimlich, convencido de que sua manobra era positiva e decisiva no afogamento, insistiu em recomenda-la, embora sem suporte e contra a opinião da comunidade científica presente no evento.

Na foto Dr Henry Heimlich ao lado do Dr David Szpilman (diretor médico da Sobrasa), International Swimming Hall of Fame (ISHOF), na Flórida, 1976, no primeiro congresso internacional de afogamento – Crédito: Divulgação

Foram vários anos de produção de evidências cientificas contraindicando a manobra em casos de afogamento, mostrando que a obstrução por água (afogamento) é parcial, incompleta e portanto sem indicação da manobra, que cede rapidamente pelo próprio movimento respiratório e que sua execução poderia piorar muito o quadro por uma possível broncoaspiração de conteúdo gástrico, já que ocorria em uma pessoa que estava usualmente com o estomago cheio de água pelo afogamento e comida (86% das pessoas que se afogam comeram 3 h antes do evento).

As tentativas de drenagem da água aspirada são extremamente nocivas e devem ser evitadas. A manobra de compressão abdominal (Heimlich) nunca deve ser realizada como meio para eliminar água dos pulmões, ela é ineficaz e gera riscos significativos de vômitos com aumento da aspiração. Durante a ressuscitação, tentativas de drenar água ativamente, colocando a vítima com a cabeça abaixo do nível do corpo, aumentam as chances de vômito em mais de cinco vezes, levando a um aumento de 19% na mortalidade. Em estudo australiano constatou-se que o vômito ocorre em mais de 65% das vítimas que necessitam de ventilação de urgência em afogamentos e em 86% dos que necessitam de respiração assistida ou RCP. Mesmo naqueles que não necessitam de intervenção importante após o resgate, o vômito ocorre em 50%. A presença de vômito nas vias aéreas pode acarretar em maior broncoaspiração e obstrução, impedindo a oxigenação além de poder desencorajar o socorrista a realizar a respiração boca a boca.  Em caso de vômitos, vire a cabeça da vítima lateralmente e remova o vômito com o dedo indicador usando um lenço ou aspiração e continue prestando a assistência ventilatória.

COMO LIDAR COM OVACE (não inclui afogamento)

A obstrução das vias aéreas por corpo estranho deve ser suspeitada em:

1. Adultos que estavam se alimentando e subitamente param de respirar.

2. Crianças que estavam se alimentando ou brincando com pequeno objeto e subitamente perdem a consciência e param de respirar.

3. Qualquer paciente em PCR, em que a ventilação boca-a-boca não produza a elevação do tórax.

4. Impossibilidade de respirar, tossir e falar de ocorrência súbita.

5. Vítimas que levam as mãos ao pescoço e tem dificuldade de respirar.

Diferencie entre uma obstrução incompleta e completa

Obstrução incompleta – consegue falar, tossir ou emitir sons, nada faremos além de acalmar e levar a vítima ao hospital.

Obstrução completa – Não consegue falar, tossir ou emitir sons, faça a desobstrução de vias aéreas

A manobra de desobstrução de vias aéreas deve ser realizada somente quando houver forte suspeita de corpo estranho obstruindo as vias aéreas e a obstrução for completa. Ou seja, em casos onde a vítima não pode falar ou tossir. Ou em caso de PCR onde não há resposta à ventilação boca-a-boca (ausência de elevação do tórax).

  • Peça a alguém que chame 193/192
  • Se a vítima ainda estiver em pé, posicione-se por trás da vítima envolvendo-a com seus braços a altura acima do umbigo e faça compressões abdominais fortes, sucessivas e súbitas, até expelir o corpo estranho ou o paciente perder a consciência.
  •  Se a vítima estiver inconsciente, inicie o suporte básico de vida com 5 compressões no tórax e tente ventilar. Caso não resolva mantenha somente as compressões. Antes de ventilar tenha certeza de estar fazendo uma boa abertura das vias aéreas.

Em lactentes, coloque a criança com a cabeça em posição mais baixa que o corpo, uma das mãos segura a cabeça e a mandíbula em ligeira abertura de vias aéreas, e com a outra mão dê 5 tapas no tórax. Caso não seja efetiva, gire a vítima de frente e tente 5 compressões torácicas no ponto da compressão cardíaca em lactente. Veja Suporte Básico de Vida.

Só execute essas manobras caso o bebê tenha obstrução completa, ou seja, não estiver chorando.

PREVENÇÃO

  •  Evite comer e falar ao mesmo tempo.
  •  Impeça o acesso de objetos pequenos a crianças

Referências

Szpilman D; Near-drowning and drowning classification: A proposal to stratify mortality based on the analysis of 1,831 cases, Chest; Vol 112; Issue 3;1997
– Manolios N, Mackie I. Drowning and near-drowning on Australian beaches patrolled by life-savers: A 10 year study, 1973-1983. Med Journal Australia 1988; 148:165-171.
– Szpilman D. & Soares M., In-water resuscitation— is it worthwhile? Resuscitation 63/1 pp. 25-31 October 2004
– Szpilman D, Elmann J & Cruz-Filho FES. Dry-drowning – Fact or Myth? World Congress on Drowning, Netherlands 2002, Book of Abstracts, ISBN:90-6788-280-01, Poster presentation, pg 176. DOI: 10.13140/2.1.1227.4885
– David Szpilman & José Márcio da Silva Silveira. Primeiros socorros – Manual de bolso – Aprenda em 3 Passos como fazer – Agir – Buscar – Conduzir – ABC. Acesso em www.szpilman.com, novembro 2018.


O blog Águas+Seguras trata dos temas ligados aos afogamentos. O responsável por este blog é David Szpilman, fundador, Ex-Presidente e atual Diretor Médico da Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático – SOBRASA; Médico do município do Rio de Janeiro; Médico da reserva do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, Grupamento de Socorro de Emergência; Membro da Comissão de Prevenção e da comissão Médica da Federação Internacional de Salvamento Aquático – ILS; Membro da Câmara Técnica de Medicina Desportiva do CREMERJ e Fundador da “International Drowning Research Alliance” – IDRA.
[email protected] e www.szpilman.com