Os idosos e a sua vulnerabilidade em situações críticas

O que mais impacta a população com a divulgação de desastres na grande mídia, não é o número absoluto de mortes de pessoas – o resultado mais grave por ser irreversível -, mas sim o número de mortes em um determinado tempo. Quanto mais curto esse tempo mais impactante se torna a notícia; caso as mortes se distribuam ao longo do ano ou de décadas, entra em um processo de naturalização e não provoca manchetes nem comoções nacionais, mesmo que as perdas humanas sejam consideráveis. Todos se recordam de algumas notícias, amplificadas com fortes imagens, sobre quedas de aviões, de grandes deslizamentos de massa, do rompimento de barragens ou cenas de crimes violentos. Eventos como esses causam sempre um forte impacto emocional na população, mesmo quando o número de óbitos é relativamente baixo se comparado a outros episódios trágicos de longa duração, como as guerras e situações crônicas de fome e miséria no mundo. Não se trata aqui de minimizar essas tragédias, mas sim de relativizá-las com outros desastres com muito maior efeito na perda de vidas humanas. Em plena crise mundial provocada pela Covid-19 e sendo a pandemia o foco principal de todos os canais de comunicação atualmente, a sensação que fica é a de que ninguém mais morre de outras causas no mundo, a não ser por conta do coronavírus. Sabemos que isso não corresponde à realidade. No caso de mortes por problemas de saúde, os médicos dos países mais afetados pela pandemia vêm alertando, insistentemente, para os riscos de pacientes crônicos interromperem os seus tratamentos; muitos deles estão tendo o seu estado de saúde agravado ou indo a óbito por evitar os hospitais com medo de contrair a covid, isto para dar apenas um exemplo.

Vamos então aproveitar este espaço para falar de outras ameaças à integridade física das pessoas, de forma a promover uma cultura de prevenção e autoproteção. Farei isso divulgando um pouco das pesquisas que vêm sendo feitas no Brasil no campo da Defesa e Segurança Civil. Muitos desses estudos e pesquisas poderão ajudar a salvar vidas em caso de acidentes e desastres nas próximas décadas.

Considerando que as principais vítimas da covid são os idosos, vamos tratar da grande vulnerabilidade desse segmento da população, que pode apresentar o maior grau de fragilidade em situações de emergência. O objetivo é contribuir para o aumento da resiliência da população idosa, no âmbito da Proteção e Defesa Civil, por ocasião de eventos críticos. Para isso vou citar alguns dados da dissertação de mestrado de uma ex-aluna (agora mestre em Defesa e Segurança Civil – Valéria Azevedo de Lima) que resultou também na publicação de um artigo na Revista Ambiente & Sociedade em 2014, o qual poderá ser acessado no link (www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-753X2014000200011&script=sci_abstract&tlng=pt). Esse trabalho se torna bem atual na medida em que esta pandemia atinge, principalmente, esse segmento da população que no Brasil vem crescendo rapidamente nas últimas décadas.

Segundo relatório da UNFPA – Fundo de População das Nações Unidas (2012), no ano 2000 já havia, no mundo, mais pessoas com idade igual ou superior a 60 anos do que crianças menores de 5 anos, e de acordo com as projeções, em 2050, pela primeira vez na história da humanidade, haverá mais pessoas desse grupo etário do que crianças menores de 15 anos. Atualmente são mais de 800 milhões de pessoas com 60 anos ou mais no mundo, o que representa cerca de 12% da população global, e a expectativa é a de que esse número alcance um bilhão em menos de 10 anos e mais que duplique em 2050, alcançando dois bilhões de pessoas, ou seja, 22% da população global. O Japão é o único país no mundo que tem mais de 30% de sua população com 60 anos ou mais, mas a projeção para 2050 é de que existam 64 países nos quais a população idosa chegará a 30% da população. O Brasil, como os demais países em desenvolvimento, assiste a uma redução pro­porcional da população jovem e a um aumento na proporção e no número absoluto de idosos. Algumas variáveis incidem no aumento da vulnerabilidade desse grupo etário, tais como:

Declínio funcional – os idosos apresentam um declínio natural da capacidade funcional em função do processo de envelhecimento que somado a enfermidades, obesidade, riscos de acidentes, aumentam ainda mais a sua vulnerabilidade. Comportamentos vitais para a sobrevivência em situações críticas como a alta percepção de riscos, estado de alerta, atenção, agilidade e mobilidade, ficam muito prejudicados na população idosa aumentando de forma considerável a vulnerabilidade do indivíduo. Deficiência nas funções cognitivas, sensoriais, condições emocionais, presença de sintomas depressivos, estado e risco nutricional aumentam sobremaneira as possibilidades do idoso ser vitimado por um evento crítico. O excesso de peso e fragilidade física também dificulta muitas vezes as operações de resgate ou de evacuação de uma área de risco.

Acidentes – as quedas, tanto em ambientes domésticos quanto em espaços públicos representam o maior risco de vida para os idosos, uma vez que agravam o seu declínio funcional, dificultando tanto uma reação própria, quanto por parte dos profissio­nais de resgate e salvamento no momento da ocorrência de uma catástrofe. Além disso, as consequências de acidentes são sempre muito mais graves para eles do que para a população de outras faixas etárias, com maior período de internação e de reabilitação, maior risco de dependência posterior e de morte. De acordo com dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2009), as que­das e suas consequências para as pessoas idosas têm assumido dimensão de epidemia, com aumento da fragilidade e morte. O uso de medicamentos pode levar a alteração no equilíbrio e/ou na visão, e juntamente com enfermidades diversas, como a osteoporose, facilitar as quedas. Contudo as fraturas provenientes de quedas podem ocorrer também por falta de prevenção, como tapetes e localização dos móveis, banheiros inadaptados, calçadas inadequadas e pouca iluminação nos ambientes.

Desastres – No grande terremoto de Kobe no Japão em 1995, 44% das vítimas tinham mais de 65 anos. Durante o furacão Katrina ocorrido em Nova Orleans, EUA em 2005, além do aumento da mortalidade, a saúde dos sobreviventes com 65 anos ou mais apresentou considerável declínio. Das mil trezentas e trinta pessoas que morre­ram, a maioria era de pessoas idosas. No Estado de Louisiana, cerca de 70% das pessoas que perderam a vida tinham mais de sessenta anos de idade; muitas estavam em casas de repouso e foram abandonadas por seus cuidadores durante o desastre. Um tsunami ocorrido na Indonésia, em 2004, matou, em sua maioria, idosos e crianças. Na Europa, durante a onda de calor de 2003, as pessoas idosas representaram a maioria das mortes: na França, 70% foram de pessoas com idade superior a setenta e cinco anos.

É preciso considerar que os idosos não representam um grupo homogêneo; recursos financeiros, acesso à educação, ao lazer, ao saneamento básico e aos serviços de saúde, por exemplo, incidem sobre sua qualidade de vida e influencia o processo individual de envelhecimento. Portanto, devido às particularidades que os distinguem, nem todos os idosos têm necessi­dades iguais ou semelhantes, e esse dado também tem que ser considerado por parte das políticas públicas, aí incluídas as de proteção em situações de desastres. Um equívoco comum é o de que as pessoas em idade avançada são muito difíceis de capacitar, não são receptivas a novas ideias e são incapazes de participar efetivamente de atividades comunitárias e econômicas. Isso não é verdade; vamos ter mais paciência com os nossos idosos e ensiná-los a melhor se protegerem, pois um dia, salvo algum acidente de percurso, todos seremos idosos. Continuem a se proteger da covid para o seu bem e também para melhor proteger os seus pais e avós.


O blog Proteja-se trata de segurança humana de uma forma geral, pois nenhum sistema de proteção civil do mundo consegue garantir a total segurança do indivíduo sem que o mesmo adote procedimentos de autoproteção. O blog quer ajudar a desenvolver no Brasil a cultura da autoproteção. O autor do blog é Airton Bodstein, Doutor em Química Ambiental pela Université de Rennes I, França e Pós-doutorado na Oregon State University, EUA. Fundador do Mestrado em Defesa e Segurança Civil e Professor Titular da Universidade Federal Fluminense. Fundador e atual Presidente da ABRRD – Associação Brasileira de Redução de Riscos de Desastres.
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