Realidade ou um filme de ficção científica?

É comum ouvir, hoje em dia, frases do tipo, “isto é uma realidade ou estamos assistindo a um filme de ficção científica?” Ou ainda “preciso acordar para terminar logo esse pesadelo”. Vamos então aproveitar para criar uma situação hipotética de um filme de ficção científica, apresentado em um canal de TV e sendo assistido por um adolescente entediado, buscando algo diferente do videogame ou das redes sociais, enquanto não está sendo “solicitado” pelos pais a ajudar nas tarefas de casa.

Entre as centenas de opções de filmes, o jovem optou por um de ficção científica, algo intrigante, sob o título “Salvação da espécie, em busca do desconhecido”, nada diferente de muitos outros filmes sobre grandes desastres em escala mundial, produzidos e divulgados pela indústria do cinema há várias décadas.

O filme aborda o cenário de um grande desastre que se aproxima e que terá efeitos devastadores em todo o planeta. Enquanto as autoridades nacionais e internacionais tentam se organizar para tomar as decisões necessárias, a fim de enfrentar esse novo desafio, a mídia transmite, dia e noite, a provável catástrofe que se abaterá sobre o mundo, e o clima de medo e tensão se instalam na população. Frente a algo novo e assustador, aumentam os níveis de audiência de maneira tal que quase todo mundo ficará ligado, o tempo todo, nos informativos das TVs. Isso vai aumentando a pressão da população sobre as autoridades para que façam algo para evitar a tragédia, e rapidamente, pois o tempo é curto. Algumas semanas se passam e as opiniões divergentes de centenas ou milhares de cientistas e especialistas sobre qual será a dimensão do impacto e o que deverá ser feito, deixa todos perplexos e cada vez mais assustados.

Então, dada a gravidade do que é mostrado diariamente nos meios de comunicação e a situação de quase pânico da população, o pior cenário, ou seja, a total destruição do planeta, é aceito como o mais provável. A melhor opção passa a ser um esforço conjunto mundial para construir naves interplanetárias que levem milhares, se possível, milhões de pessoas para outro planeta a fim de garantir a sobrevivência da espécie humana. Aí, outros problemas aparecem no campo científico, desde o desenvolvimento rápido das naves e também da escolha do planeta que receberá esses novos habitantes até os níveis de segurança para todos nesse novo planeta. Ações tão importantes que deverão ser realizadas em curto espaço de tempo exigem o aporte de somas gigantescas de recursos financeiros para atender essa demanda não prevista nos planejamentos econômicos mundiais, mas todos os problemas e necessidades do mundo agora não são mais prioritários; o mundo parou e todos os esforços estão concentrados na salvação da espécie humana. Todas as indústrias do mundo trabalham arduamente na produção de peças para os foguetes e vestimentas de proteção dos passageiros.

O segundo problema é de ordem política e social. Como somente alguns poderão deixar o planeta dada a pequena disponibilidade de naves, quais serão os critérios de escolha? Como a ideia principal é povoar um novo planeta a fim de garantir a preservação da espécie humana, a escolha recairá sobre jovens saudáveis, de ambos os sexos, e com capacidade emocional para suportar os desafios dessa empreitada. Após a seleção de alguns milhões de jovens, de diversas nações, raças e culturas distintas e de equipá-los com vestimentas próprias dos astronautas, eles são enviados para uma longa viagem ao espaço, a fim de criar uma nova civilização em um ambiente totalmente desconhecido, com todas as dificuldades e consequências que uma situação como essa se impõe.

Já nos momentos finais, o jovem que começou a assistir ao filme bem relaxado, comendo pipoca, pois via aquilo como algo muito distante da sua realidade, percebe que isso poderia ser uma situação real no futuro. Ele, como jovem, provavelmente seria um dos escolhidos para essa empreitada, que a cada momento oferecia cenas crescentes de terror, durante a viagem e no planeta desconhecido.  Mas, caso não fosse escolhido, estaria condenado a morrer juntamente com todos que permaneceriam no planeta. A partir daí, começa a entrar em pânico quando percebe que morrer tão jovem seria terrível, mas também ir para o desconhecido e deixar toda a sua família para trás, próxima do fim, também seria desesperador. Já em um estado emocional totalmente alterado, decide dar uma pausa e pensar mais tarde, se continuará assistindo ao filme ou simplesmente mudará de canal para assistir a outra atração qualquer que o traga de volta ao seu estado de equilíbrio. Mas foram tantas cenas estressantes em tão pouco tempo e com imagens tão fortes, quase reais, que suscitaram muitas dúvidas e inquietações no jovem. Então, o adolescente largou a TV e foi procurar o seu pai para pedir algumas explicações.

O pai, ao perceber o seu estado emocional algo abalado, perguntou que tipo de filme ele havia visto, provavelmente um filme de terror, ao que o jovem respondeu que não, a indicação era de um filme de ficção científica para pessoas a partir dos 14 anos, mas que pouco a pouco foi se transformando. O pai então lhe disse que era somente um filme, produzido por agentes financeiros que vivem do lucro do entretenimento e dirigido por um profissional que desenvolveu um roteiro para atingir um determinado público, com a intenção de passar alguma mensagem.  As cenas foram estudadas para provocar um encadeamento de raciocínio que levassem o espectador a um objetivo previamente estabelecido; “e filho, considerando o seu estado emocional, acho que eles atingiram plenamente o objetivo, que era deixá-lo em pânico. Mas não se preocupe meu filho, é somente um filme de ficção científica e se você relaxar e conseguir chegar até o final, verá certamente, a clássica frase: Este filme é uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”. Neste momento, mais do que nunca, devemos proteger a nossa saúde mental. Proteja a sua.


O blog Proteja-se trata de segurança humana de uma forma geral, pois nenhum sistema de proteção civil do mundo consegue garantir a total segurança do indivíduo sem que o mesmo adote procedimentos de autoproteção. O blog quer ajudar a desenvolver no Brasil a cultura da autoproteção. O autor do blog é Airton Bodstein, Doutor em Química Ambiental pela Université de Rennes I, França e Pós-doutorado na Oregon State University, EUA. Fundador do Mestrado em Defesa e Segurança Civil e Professor Titular da Universidade Federal Fluminense. Fundador e atual Presidente da ABRRD – Associação Brasileira de Redução de Riscos de Desastres.
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