Tempos de incertezas e baixa confiabilidade

A segurança civil é uma área do conhecimento que tem por finalidade a proteção das pessoas através dos instrumentos do Estado, tais como o sistema de saúde, as defesas civis, as forças de segurança, os corpos de bombeiros, as forças armadas entre diversas outras instituições afins. Mas é do conhecimento de todos que a autoproteção é parte importante desse arcabouço em parceria com o aparato externo, aumentando consideravelmente o nível de segurança das pessoas frente a qualquer tipo de ameaça, seja um simples acidente até eventos graves de alta complexidade. A capacidade de resiliência das pessoas ou de comunidades depende muito do grau de percepção de risco dos indivíduos, o que permitirá ganhar um tempo precioso na análise prematura da dinâmica dos eventos, com equilíbrio e bom senso, sem a pressão psicológica do risco iminente ou o medo, e até o pânico, da vivência do desastre. Nunca é bom tomar decisões sob tensão, com grandes riscos de cometer mais erros do que acertos. Os profissionais da área são qualificados e treinados para dar as melhores respostas em situações críticas, mantendo o seu equilíbrio físico e mental e principalmente, um elevado nível de autoconfiança no seu grau de formação, informação e treinamento. Mas eles também precisam confiar no sistema da defesa civil como um todo, ou seja, na sua retaguarda.

Confiança na informação e certeza da sua boa intencionalidade são critérios muito importantes para o bom resultado de uma missão de socorro ou salvamento. Mas isso também se aplica a praticamente tudo o que envolve a nossa vida. Precisamos sempre confiar em algumas pessoas ou instituições que nos sirvam de referência para trilhar um caminho desconhecido com maior segurança. Para quem já viveu pelo menos mais de cinco décadas fica muito claro perceber a contínua degradação do nível de confiança da população nas suas instituições atualmente. Estamos caminhando rapidamente para transformar uma sociedade que se alicerçava em um conjunto de princípios, entre eles a confiança e credibilidade em várias lideranças sociais e institucionais, públicas e privadas, para uma situação de grandes incertezas, desconfianças, ausência de credibilidade, manipulação de toda ordem, oriunda de várias fontes e com diferentes interesses.

A voz e a imagem de alguém, no passado, era uma prova de identidade, assim como a escrita e outros fatores de caracterização humana. Hoje softwares específicos manipulam som e imagem à vontade, de forma que a identidade de alguém pode ser facilmente confundida com a de outra pessoa. Não podemos mais acreditar em tudo aquilo que vemos e ouvimos. Na área da informação e comunicação de massa, a preocupação anterior era acessar as fontes, ler, ver ou ouvir uma noticia e interpretá-la de acordo com o nosso interesse e capacidade de discernimento. Atualmente, primeiro é absolutamente necessário confirmar a veracidade da informação dentro de um mar de notícias falsas, para depois analisar o seu conteúdo. As informações são tantas e oriundas de um leque tão amplo de veículos de comunicação, que grande parte da população não dispõe de tempo suficiente para analisá-las e construir um bom entendimento sobre elas. O mundo acelerado de hoje não dá tempo para a reflexão; uma mensagem recebida via celular, por exemplo, tem que ser respondida imediatamente e várias vezes, replicada sem nenhuma análise ou cuidado com a sua veracidade ou intencionalidade. Uma sociedade que não tem tempo para pensar e que a todo momento é confrontada com versões antagônicas sustentadas por argumentos muitas das vezes manipulados, fora de contexto ou atendendo a interesses de grupos específicos, será alvo fácil para uma condução a um futuro incerto, de grande instabilidade social.

A perda gradual da confiança da população nos seus alicerces sociais como justiça, mídia, governo, parlamento, forças de segurança pública, forças armadas, sistemas de saúde e educação, entre outros, começa a dificultar a implementação de diversas políticas públicas. Temos como exemplo dessa transformação, o grande debate atual sobre a segurança das vacinas contra a covid-19. O Brasil tem uma tradição e grande experiência no sistema de vacinação em massa da população, através do SUS, tendo erradicado várias doenças, antes fatais. Ninguém questionava de onde vinha a vacina, os critérios de vacinação ou os seus níveis de eficácia. Havia uma grande confiança no Sistema Único de Saúde, no Ministério da Saúde, na Agência de Vigilância Sanitária que estavam acima dessas questões. Hoje tudo é questionado; existe a vacina do governador e a vacina do presidente, da China ou da Índia e uma competição acirrada das farmacêuticas na oferta do melhor imunizante. Os interesses financeiros e políticos estão acima dos interesses da saúde pública. Todos se tornaram especialistas em doenças contagiosas, vírus e gestão pública. Tratar ou não tratar previamente, medicamento salva ou mata, qual a melhor ou a pior vacina, o debate é extenso. E nesse mar de informações e contra-informações, a população está cada vez mais confusa, sem saber em quem acreditar e acaba se direcionando para conclusões de cunho unicamente político.

Essa polarização política e ideológica que se espalhou por boa parte do mundo, vem corroendo a relação de confiança das populações com as suas instituições; não é um caso nacional, é mundial. Na natureza não existe o 100% certo e o 100% errado e deveria ser um objetivo comum valorizar o certo e não permitir que o errado se repita. Caso toda essa energia de enfrentamento fosse concentrada no objetivo comum de melhorar a qualidade de vida das pessoas, o mundo hoje seria muito melhor e todos poderiam desfrutar do grande avanço tecnológico que a inteligência humana desenvolveu nos últimos tempos. Proteja-se das falsas informações, analise cada detalhe e todo o contexto nas quais estão inseridas e exercite a sua racionalidade, ajudando a humanidade a construir uma sociedade mais justa e segura para todos.


O blog Proteja-se trata de segurança humana de uma forma geral, pois nenhum sistema de proteção civil do mundo consegue garantir a total segurança do indivíduo sem que o mesmo adote procedimentos de autoproteção. O blog quer ajudar a desenvolver no Brasil a cultura da autoproteção. O autor do blog é Airton Bodstein, Doutor em Química Ambiental pela Université de Rennes I, França e Pós-doutorado na Oregon State University, EUA. Fundador do Mestrado em Defesa e Segurança Civil e Professor Titular da Universidade Federal Fluminense. Fundador e atual Presidente da ABRRD – Associação Brasileira de Redução de Riscos de Desastres.
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