Turismo seguro

Há tempos que a escolha de um local tranquilo e prazeroso para passar as férias, de inverno ou verão, deixou de ser uma coisa simples. Os critérios considerados há algumas décadas na definição do destino  ideal para curtir as férias, eram a beleza da região, conforto, facilidade de acesso, um atrativo específico e certamente, o custo final da viagem. Ninguém se preocupava em consultar as condições do tempo, até porque, segundo a crença popular da época, os meteorologistas mais erravam do que acertavam nas suas previsões. Cair uma chuva em plenas férias de verão era considerado normal, apesar de desagradável na maioria dos casos, nada além disso. Chuvas fortes no verão já faziam parte do cotidiano dos brasileiros e praticamente ninguém cancelaria a sua viagem de férias porque havia um anúncio de possibilidade de chuva forte por parte das autoridades.

Essas questões começaram a mudar com o anúncio de que as condições climáticas do planeta estavam sofrendo rápidas transformações e poderiam causar muitos problemas para a humanidade no futuro. Aí o problema saiu da esfera científica e passou a contaminar os discursos políticos, como sempre acontece nesses casos. Para uns, as mudanças climáticas eram fenômenos naturais e cíclicos; para outros – e estes passaram a ser a maioria  -, eram problemas ligados ao comportamento da espécie humana que, frequentemente, agredia a mãe natureza. A discussão evoluiu para o campo econômico e o Brasil passou a ser muito criticado pela sua política do agronegócio, que no entendimento desses grupos, estava provocando grande desequilíbrio no meio ambiente mundial. Não vou entrar no mérito dessa guerra entre esses dois grupos, pois este não é o objetivo deste artigo. Mas havia um consenso de que as mudanças climáticas estavam ocorrendo, independentemente da sua origem. Por outro lado, quase todos, exceto os especialistas, acreditavam que os efeitos nocivos viriam nos próximos cinquenta ou cem anos. E, obedecendo a uma lógica simplista e egoísta, a percepção geral era de que o mais importante seria desfrutar das coisas boas do momento e deixar os problemas futuros para as gerações futuras. Certamente, com o desenvolvimento científico e tecnológico, elas saberiam como enfrentar e dar uma solução definitiva para os impactos das mudanças climáticas sobre o planeta (o conceito de minimização de danos não existia à época).

Entretanto poucos entenderam que o futuro já estava batendo à nossa porta e que os efeitos danosos das mudanças climáticas, aguardadas para algumas dezenas ou até centenas de anos, já haviam chegado. As tempestades começaram a assolar o planeta com muito mais frequência e intensidade; atualmente, tempestades ocorrem quase que diariamente, em algum lugar do mundo. Precipitações intensas, acompanhadas de raios e ventos fortes, provocando transbordamento dos rios, enxurradas  (popularmente chamadas de cabeças d’água) arrastando tudo que encontram pela frente, são comuns nos dias de hoje. As inundações de grandes áreas urbanas e rurais vem destruindo milhares de casas, isso sem contar a inevitável perda de vidas. Mas não é só o excesso de água que tem causado problemas. A falta dela, em longos períodos de estiagem, provoca secas de grande impacto sobre a economia e sobre as pessoas. A base energética brasileira é hídrica e os períodos de grandes secas acabam atingindo quase toda a população do país com a falta d’água e aumento considerável do custo da energia para as residências, indústrias e agronegócio.

Outro reflexo crítico das secas é o seu efeito sobre a vegetação que, por falta de chuvas resseca progressivamente tornando-se extremamente vulnerável aos grandes incêndios florestais que, em muitas partes do mundo, atingem residências e aglomerações urbanas; mas são os animais os que mais sofrem com a queimada das florestas, tanto pelos danos sobre as suas vidas, mas também pela destruição do seu habitat. Essa longa contextualização foi necessária para discutir com mais propriedade o tema deste artigo, ou seja, o turismo seguro.

A cadeia do turismo é bem complexa e envolve diversos atores. Pode começar por uma ação governamental de municípios, estados ou União na identificação de um determinado local com potenciais turísticos ou ainda por demanda da iniciativa privada. O passo seguinte é a preparação para receber os futuros turistas e para tal será necessário estabelecer a infraestrutura mínima de acesso, conforto e segurança. Cabe às prefeituras estabelecer as normas de segurança e manter um rígido sistema de fiscalização para garantir que essas normas sejam cumpridas. Aí começam os problemas. Muitos empresários do turismo minimizam os riscos daquele empreendimento ou então tentam reduzir os investimentos em segurança para auferir maiores lucros. Por outro lado, as prefeituras em muitos casos, alegam não terem recursos suficientes para executar uma boa fiscalização, ou ainda, alguns funcionários encarregados da fiscalização, fazem vista grossa aos problemas identificados sob acordos de recebimento de propina. Essa é a perigosa lacuna entre o mundo ideal e o mundo real, e quando se trata de normas de segurança, pode colocar em risco a vida das pessoas.

Como evitar essa situação? A única opção é a autoproteção. A vida é o nosso bem mais valioso e não podemos transferir a responsabilidade da sua preservação para terceiros. Quando os desastres acontecem, a primeira resposta da população e da mídia é procurar pelos culpados. A população geralmente acusa as autoridades ou admite que houve uma fatalidade. As fatalidades são muito raras; geralmente os desastres ocorrem por falha humana, técnica, ou ambas ou ainda ausência total de percepção de risco, tanto das autoridades quanto  das próprias vítimas.

Mas não podemos atribuir culpa às vítimas de um acidente ou desastre por terem agido com imprudência. Trata-se geralmente de uma confiança excessiva nas autoridades que deveriam cumprir o seu papel de fiscalização ou nos responsáveis pelo empreendimento, que também deveriam fazer a sua parte respeitando as normas de segurança. Já a falta de uma avaliação prévia sobre a probabilidade de ocorrência de  acidentes por parte esmagadora da população é uma falha do nosso sistema educacional. A falta de preparação dos indivíduos, desde a primeira escolaridade, para o desenvolvimento da percepção de risco frente a várias ameaças que enfrentarão ao longo das suas vidas, não contribui para a criação de uma cultura de autoproteção. Esse é um modo de vida que só é incorporado à cultura de um país ao longo de muitos anos ou décadas, como é o caso de várias nações desenvolvidas, sendo a mais simbólica delas, o Japão.

Sendo assim, da próxima vez que você planejar as suas férias, primeiro atente para todas as normas de segurança a serem respeitadas, a começar pela vistoria no seu carro ou buscando informações sobre a empresa que fará o transporte, as condições das estradas e da hospedagem ficando atento aos alertas meteorológicos previstos para os trechos da viagem bem como do local da hospedagem. Antes de realizar as famosas atividades de lazer, informe-se sobre  o estado dos equipamentos que serão utilizados, plano de manutenção dos mesmos e se as informações de segurança estão disponíveis para consulta dos turistas. Nos casos de turismo de aventura, onde os riscos são sempre maiores, as atenções devem ser redobradas. Nunca abra mão da utilização de um colete salva-vidas nos esportes aquáticos. Caso escolha um turismo de natureza, como fazendas e montanhas, verifique previamente a distância e os meios de locomoção para um atendimento médico de emergência, caso se faça necessário e não esqueça de levar todos os seus medicamentos de uso contínuo. Nas trilhas nunca se afaste do grupo e siga rigorosamente as orientações de segurança dos guias ou instrutores. Leve em uma mochila alguns itens básicos de sobrevivência como água,  alimentos, repelentes, agasalhos, celulares com carregadores solares para o caso de ficar perdido ou isolado por conta de más condições meteorológicas. Uma corda capaz de suportar o peso de duas pessoas com cerca de 15 m de comprimento, com um mosquetão em cada extremidade poderá ser útil em várias situações, tanto para salvar a sua vida quanto para ajudar outras pessoas em situações de necessidade. Em áreas sujeitas a inundações, um capacete de bike, pequeno e leve e  um colete salva-vidas, de preferência inflável, poderão ser úteis dentro do veículo.

Mas o importante é ter bom senso e buscar um ponto de equilíbrio entre os limites da segurança e do exagero. Não existe risco zero, mas a neurose com a segurança também não é a solução mais apropriada. Siga as normas de segurança dentro do possível e faça sempre uma avaliação do risco x benefício ao abrir mão de cada uma delas. A percepção de risco é uma atitude individual e caso algo aconteça, é preciso assumir também a sua parcela de responsabilidade quando previamente informado.

No mais, programe suas férias que o corpo e a mente precisam de um descanso, divirta-se, mas não transforme os momentos de alegria e lazer, em dor e sofrimento. Proteja-se sempre.


O blog Proteja-se trata de segurança humana de uma forma geral, pois nenhum sistema de proteção civil do mundo consegue garantir a total segurança do indivíduo sem que o mesmo adote procedimentos de autoproteção. O blog quer ajudar a desenvolver no Brasil a cultura da autoproteção. O autor do blog é Airton Bodstein, Doutor em Química Ambiental pela Université de Rennes I, França e Pós-doutorado na Oregon State University, EUA. Fundador do Mestrado em Defesa e Segurança Civil e Professor Titular da Universidade Federal Fluminense. Fundador e ex-Presidente da ABRRD – Associação Brasileira de Redução de Riscos de Desastres.
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