A volta à Defesa Civil de 1940

A crença do universo infinito está relacionada ao seu tamanho e em permanente expansão. Em constante movimento na busca do equilíbrio, apresenta diversos episódios cíclicos que se repetem periodicamente. Mas, dada a sua imensa dimensão, muitas vezes, esses ciclos são de séculos ou milênios e, portanto, não são perceptíveis como tal para a maioria dos seres vivos. Fica mais fácil perceber importantes movimentos cíclicos considerando apenas o planeta Terra como referência. Os movimentos de rotação e translação que definem os nossos dias e anos, se repetem ao longo das eras. Também temos as marés, o dia e a noite, as estações do ano, períodos de chuva e de seca, correntes marítimas etc. Mas o mais interessante é verificar como esses ciclos da natureza são determinantes na vida dos seres vivos manifestando-se por diferentes formas e intensidades. O sol estimula o movimento, a energia, os esportes; já a lua, a tranquilidade, a observação, o romantismo.

O comportamento dos seres humanos, de uma forma geral, como parte da natureza que são, parece também obedecer a alguns aspectos cíclicos. Vamos aqui nos deter a dois deles: a paz e a guerra. O ser humano é dual, abrigando na sua personalidade traços de paz e amor, bem como de agressividade e violência. Em uma representação simplória é como se tivéssemos, de um lado do nosso cérebro, uma pomba da paz, e, do outro, um pitbull pronto para o ataque. Em uma visão religiosa, seria um anjo concorrendo com um demônio para ver quem domina aquele indivíduo. A assustadora conclusão é a de que todo indivíduo pode ter, tanto atitudes de amor, solidariedade, amizade, carinho, altruísmo, valores que enobrecem a espécie, quanto sentimentos de ódio, vingança, violência e interesse em eliminar seus oponentes.

Para quem quiser se aprofundar nessas questões do comportamento humano e social, vale a pena conhecer um pouco da obra do famoso psicólogo americano, Dr. Philip Zimbardo, professor da Universidade de Stanford. Em 1971, ele realizou uma experiência científica nos porões daquela universidade, que ficou conhecida como “O experimento da prisão de Stanford”. Experimento esse, previsto para uma duração de duas semanas, mas que teve que ser interrompido após seis dias, em função dos riscos de graves perturbações que estavam ocorrendo no desenrolar do processo. O professor Zimbardo também é autor do livro “O Efeito Lúcifer: Entendendo como pessoas boas se tornam diabólicas”.

Vocês devem estar se perguntando qual a razão de discutirmos assuntos do campo da sociologia, psicologia e outras ciências sociais neste blog que trata, principalmente, de assuntos ligados à defesa e segurança civil. Vale lembrar que a Defesa Civil, tal qual a conhecemos hoje, nasceu em um período de conflito armado, a Segunda Guerra Mundial, durante os violentos bombardeios sofridos pelos ingleses a partir dos ataques da aviação alemã, entre 1940 e 1941, quando toneladas de bombas foram lançadas sobre a população civil, principalmente de Londres, causando milhares de vítimas. Frente à total incapacidade de as forças armadas britânicas garantirem a segurança dos seus cidadãos, foi instituída a Civil Defense, estratégia em que a própria população teria que assegurar a sua defesa.

Fazendo um retrospecto histórico, percebemos claramente que a história dos homens é, também, a história das guerras. Desde o homem pré-histórico até os dias atuais. E esse processo é cíclico, alternando períodos de paz com períodos de guerra. Os últimos grandes eventos de violência em escala mundial foram a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Segunda (1939-1945), ambas em território europeu. O intervalo entre uma e outra foi de apenas 21 anos, marcado por períodos de alta tensão e instabilidade no mundo como a revolução russa em 1917 e a quebra da bolsa de Nova York em 1929, também conhecida como “A Grande Depressão”, a maior crise do capitalismo financeiro, causando uma situação de fome e miséria sem precedentes que devastou a economia mundial.

Os horrores da última grande guerra superaram em muito o evento anterior e deixaram marcas profundas em toda a sociedade, mas, de acordo com o marco cíclico desses eventos, o pós-guerra deu início a um longo período de paz e prosperidade mundial, começando com o surgimento da filosofia Hippie de “paz e amor” dos anos 60, passando por grandes movimentos sociais de valorização da liberdade, manifestações artísticas e culturais. O povo queria paz, alegria, solidariedade, cultura e desenvolvimento.

Atualmente, passados 78 anos do último conflito mundial, apesar dos inúmeros confrontos locais e regionais que nunca deixaram de existir, sinais estão sendo emitidos de que um novo ciclo de violência envolvendo todo o planeta se espreita em um horizonte próximo. Diariamente, a imprensa mundial veicula notícias sobre a possibilidade de início de uma terceira guerra mundial, como o aumento da tensão entre EUA e China na disputa por Taiwan ou a transmissão ao vivo de cenas chocantes da guerra da Rússia contra a Ucrânia, conflito que não se limita a esses dois países, mas que vem sofrendo uma escalada com o envolvimento das forças da OTAN e, como nas duas guerras anteriores, novamente em território europeu. A presença de navios iranianos equipados com armas nucleares navegando no oceano Atlântico, a derrubada de OVNIs, atribuídos aos chineses, sobre o território americano e canadense, os ataques terroristas em diversos países, greves e outras manifestações de insatisfação se espalham por todos os continentes. O cenário mundial na atualidade é de forte polarização política e de alta instabilidade econômica e social, caldos de cultura historicamente favoráveis à geração de conflitos de grandes proporções.

Para todos nós, profissionais da defesa civil, dos corpos de bombeiros, dos sistemas de saúde, dos diversos grupos de salvamento, aéreo, marítimo e terrestre, dos agentes de segurança pública e dos voluntários que, em muitos casos, arriscam a sua própria vida para salvar mesmo um único indivíduo, com a determinação de que cada vida importa, independentemente de cor, ideologia, raça, nacionalidade, religião, opção política, social ou sexual, é extremamente doloroso aceitar a irracionalidade de uma guerra. Como explicar e aceitar que russos e ucranianos tenham se envolvido em uma guerra fratricida (pois na sua origem eram um só povo), com milhares de mortos de cada lado, incluindo quase 500 crianças, em pouco mais de um ano de combates?

O prognóstico é macabro, pois ao invés de buscarem uma solução negociada pela diplomacia, mesmo que sabidamente difícil, pedem aos seus aliados mais armamentos para dar continuidade à guerra. E em busca da vitória, passam a utilizar armas cada vez mais letais que só aumentam o número de vítimas. Rezemos para que esse conflito não seja o prenúncio de algo mais desumano e destruidor do que os eventos anteriores. Essa escalada poderá conduzir a uma decisão insana de utilização de armas nucleares com potencial para destruir bilhões de vidas.

Enquanto a nossa defesa civil faz mapeamento de áreas de risco para enchentes e deslizamentos, a FEMA, agência federal americana de gestão de emergências, faz mapas de risco para possíveis alvos de ataques nucleares em seu território. É possível que a defesa civil atual que luta, principalmente, contra as situações adversas da natureza, tenha que retornar às suas origens lá na Londres de 1940, quando o objetivo era reduzir ao máximo o sofrimento e as perdas humanas em uma situação de guerra onde a autoproteção, às vezes, se torna a única solução plausível. Protejam-se.


O blog Proteja-se trata de segurança humana de uma forma geral, pois nenhum sistema de proteção civil do mundo consegue garantir a total segurança do indivíduo sem que o mesmo adote procedimentos de autoproteção. O blog quer ajudar a desenvolver no Brasil a cultura da autoproteção. O autor do blog é Airton Bodstein, Doutor em Química Ambiental pela Université de Rennes I, França e Pós-doutorado na Oregon State University, EUA. Fundador do Mestrado em Defesa e Segurança Civil e Professor Titular da Universidade Federal Fluminense. 
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