Enfermeira que contribuiu no planejamento e criação de SAMU pelo país relembra o início dos serviços

A enfermeira Rosane Mortari Ciconet é uma das “mães” do SAMU Porto Alegre/RS e de alguns SAMU pelo país. Em 1995 ela participou do planejamento e implantação do serviço na capital gaúcha onde passou pela gestão, assistência e educação permanente durante os 21 anos que atuou nele. “Ter participado da implantação do SAMU de Porto Alegre é uma das razões que mais me orgulha em minha trajetória profissional”, relembra.

Também foi colaboradora junto ao Ministério da Saúde na criação dos SAMU em diferentes regiões do país. “Pude transmitir o que vivemos em Porto Alegre e instrumentalizar os colegas de outras cidades a evitarem (e superarem) os caminhos ‘tortuosos’”, diz. Ainda na colaboração com o órgão, contribuiu na formulação da política pública das urgências, fazendo parte do grupo que elaborou a portaria 2048.
Atualmente servidora aposentada da SMS (Secretaria Municipal de Saúde) de Porto Alegre ela continua acompanhando os caminhos da urgência e emergência brasileira como professora e membro da CONUE (Comissão Nacional de Urgência e Emergência) do COFEN (Conselho Federal de Enfermagem). Confira esta entrevista que é um relato histórico e apaixonado pelo SAMU.

Por Paula Barcellos/Editora e Jornalista da Revista Emergência


PERFIL | ROSANE MORTARI CICONET

Graduada em Enfermagem pela Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos-RS), em 1983, Rosane é Mestre e Doutora em Enfermagem pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Ingressou na SMS de Porto Alegre/RS, em 1989, participando do planejamento e implantação do SAMU da cidade, em 1995, onde atuou por 21 anos. Foi colaboradora do Ministério da Saúde na elaboração da Portaria 2048 e na criação de vários SAMU pelo país. Hoje, é servidora aposentada da SMS de Porto Alegre e docente no Programa de Pós-graduação em Enfermagem – Mestrado Profissional em Enfermagem na Unisinos e na Graduação em Enfermagem. Também é membro da CONUE (Comissão Nacional de Urgência e Emergência) do COFEN (Conselho Federal de Enfermagem) e da RBCE (Rede Brasileira de Cooperação em Emergência).


A SENHORA PARTICIPOU DA IMPLANTAÇÃO DO SAMU EM PORTO ALEGRE NOS ANOS 90. COMO FOI ESTE INÍCIO? QUAIS OS DESAFIOS ENFRENTADOS?

Ter participado da implantação do SAMU de Porto Alegre é uma das razões que mais me orgulha em minha trajetória profissional. Este foi um trabalho idealizado por muitas pessoas, motivadas pelo entendimento da importância deste serviço como parte do SUS (Sistema Único de Saúde). Foi a partir de um Seminário que o Ministério da Saúde organizou em dezembro de 1993, em Brasília, inserido no Programa de Enfrentamento às Urgências, onde tive a oportunidade de participar que esta semente foi plantada. Na ocasião, o MS apresentou a cooperação técnica que havia sido firmada entre os ministérios de saúde brasileiro e francês, em que um dos pontos consistia no apoio à criação de serviços pré-hospitalares com equipes da saúde. Em Porto Alegre, tínhamos implantado, em 1992, o programa Anjos da Guarda, uma parceria entre Secretaria Municipal de Saúde e Corpo de Bombeiros, voltada ao atendimento ao trauma, cujas equipes eram formadas por bombeiros e a SMS era responsável pela infraestrutura material e aporte financeiro. O programa Anjos da Guarda desempenhou seu papel e, de certa forma, foi sendo substituído com os movimentos em torno de um novo serviço. Voltamos do Seminário de Brasília, motivados a criar este novo modelo de APH na capital, pois era necessário pensar um serviço que pudesse atender para além do trauma, como as urgências clínicas (que eram e ainda são as mais prevalentes), as urgências obstétricas, as urgências em saúde mental, enfim, o conjunto de agravos que necessitava de profissionais de saúde. Convencemos o Secretário da Saúde e foi firmada a cooperação técnica com a cidade de Lille (França), por ser a cidade com características loco regionais semelhantes a Porto Alegre. As missões de cooperação iniciaram entre as duas cidades, onde fomos instrumentalizados sobre a organização do SAMU, a preparação das equipes, a pactuação com os serviços hospitalares que receberiam o SAMU, as pactuações com os demais atores que atuavam nas urgências (Bombeiros, Polícia, agentes de trânsito), enfim, iniciamos os movimentos de criação e geração de um novo modelo assistencial. Foram vários os desafios que enfrentamos: o primeiro deles foi constituir uma equipe com o perfil para atuar fora dos “muros” dos serviços. Ir ao encontro do usuário onde a urgência acontece, na rua, em condições de tempo, temperatura, difícil acesso, expostos à violência, à opinião e pressão dos espectadores na cena, era muito desafiador, pois provocava medo e insegurança. Nossas escolas não ensinavam, até então, como lidar neste cenário pré-hospitalar. E tivemos que suprir esta lacuna como um primeiro desafio: capacitar os profissionais para este novo tipo de atendimento. Outro grande desafio foi articular com os serviços que receberiam os pacientes atendidos pelo SAMU e superar a ideia de que o SAMU geraria demanda, aumentaria o número de pacientes encaminhados ao hospital, que iria piorar ainda mais a superlotação. Para isso, constituímos o Comitê Gestor das Urgências, no qual as discussões davam conta de variados temas, dos problemas cotidianos entre os serviços, mas, principalmente, das estratégias em conjunto. Isso se fez num cenário onde nem se pensava sobre linhas de cuidado, hoje implantadas. Então, podemos dizer que dali nasceram propostas muito ricas que foram culminando na organização da rede de urgências em Porto Alegre. Não foi um processo fácil, as pactuações tinham que vencer os interesses individuais e institucionais, mas fomos vencendo, a partir de uma cultura de trabalho coletivo.

COMO FOI A EXPERIÊNCIA NA COLABORAÇÃO JUNTO AO MINISTÉRIO DA SAÚDE NA CRIAÇÃO DOS SAMU NO PAÍS, CONSIDERANDO AS PARTICULARIDADES DE CADA REGIÃO? QUE DIFICULDADES FORAM ENCONTRADAS?

Foi uma experiência muito gratificante. A exemplo do que vivi com os cooperantes franceses, que nos ensinavam o que fazer e o que não fazer, por experiências próprias, também pude transmitir o que vivemos em Porto Alegre e instrumentalizar os colegas de outras cidades a evitarem (e superarem) os caminhos “tortuosos”. Ao iniciar um serviço novo é natural que ocorram percalços nos planos, então quem já viveu isso, pode prevenir a quem faz depois! As dificuldades eram muito parecidas, até porque as necessidades são muito parecidas. Creio que as principais dificuldades residiam na organização da própria rede de saúde, dos locais de acolhimento, de discutir as pactuações e fomentar a compreensão sobre a missão do SAMU. Em geral, não enfrentamos dificuldades em relação ao recrutamento de profissionais para trabalharem no SAMU, muito pelo contrário. A maior parte dos profissionais que optaram por este serviço, batalharam para estar ali, se qualificando, se especializando, se desafiando e enfrentar as adversidades próprias de atuar no pré-hospitalar. Esta experiência de ir ao encontro do usuário, de conhecer a realidade local, de entender as dificuldades da população e dos serviços, serviu como ingrediente para motivar os profissionais.


Confira a entrevista completa na edição de nov/23 / jan/24 da Revista Emergência.

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